ANTIMICROBIANOS
Eucides Batista da Silva

“O jovem médico começa a vida com vinte drogas para uma doença, já o velho médico termina sua vida com uma única droga para vinte doenças”.
William Osler (1903)

INTRODUÇÃO

Os antimicrobianos são drogas que têm a capacidade de inibir o crescimento de microorganismos, indicadas, portanto, apenas para o tratamento de infecções microbianas sensíveis.

Dois importantes conceitos devem ser lembrados ao se considerar o uso dos antimicrobianos:

Espectro de ação é o percentual de espécies sensíveis (número de espécies/ isolados sensíveis);

Potência ou concentração inibitória mínima (MIC, MIC50, MIC90) é a concentração de antimicrobiano necessária para inibir o crescimento bacteriano, de forma que quanto menor o MIC, maior a potência e, quanto maior a potência, maior a dificuldade da bactéria em desenvolver resistência.

Estes conceitos devem sempre ser exercitados na prática clínica diária. Quando se conhece a etiologia da doença, deve-se prescrever sempre drogas de menor espectro e maior potência. A meningococcemia, por exemplo, é uma infecção muito grave, entretanto, não há necessidade de ampliar o espectro antimicrobiano, mas intensificar sua potência, utilizando a penicilina G cristalina por via parenteral e em doses altas. Nos casos de sepse grave, sem definição etiológica, por outro lado, deve-se ampliar o espectro, procurando atingir os microorganismos mais prováveis.

Os antimicrobianos podem ser classificados de várias maneiras, considerando seu espectro de ação, o tipo de atividade antimicrobiana, o grupo químico ao qual pertencem e o mecanismo de ação.

CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIMICROBIANOS

VARIÁVEL
CLASSIFICAÇÃO
EXEMPLO
ESPECTRO DE AÇÃO
Antifúngicos Anfotericina B
Anaerobicidas Metronidazol
Gram-positivos Oxacilina
Gram-negativos Aminoglicosídeo
Amplo espectro Ceftriaxona
ATIVIDADE ANTIBACTERIANA
Bactericida Quinolona
Bacteriostático Macrolídeo
GRUPO QUÍMICO
Aminoácidos Betalactâmico
Açúcares Aminoglicosídeo
Acetatos/propionatos Tetraciclina
Quimioterápicos Sulfa
MECANISMO DE AÇÃO
Síntese da parede celular Beta-lactâmico
Permeabilidade de membrana Anfotericina B
Síntese protéica Aminoglicosídeo
Ácidos nucléicos Quinolona

O uso de antimicrobianos exerce sempre um efeito de pressão seletiva sobre os microorganismos envolvidos, de modo a causar dois efeitos possíveis:

Eliminação dos patógenos sensíveis e recolonização por cepas resistentes, não formando vazio ecológico;

Indução de resistência nos patógenos envolvidos e remanescentes.

PRINCÍPIOS DA TERAPIA ANTIMICROBIANA

INDICAÇÃO

A indicação de um antimicrobiano está condicionada ao diagnóstico de uma infecção cuja etiologia seja sensível aos antimicrobianos. Infecções virais, por exemplo, não respondem ao tratamento com antimicrobianos. Febre não é sinônimo de infecção: doenças não-infecciosas como linfoma e colagenoses podem manifestar febre sem a presença de uma infecção. Anamnese e exame físico detalhados são usualmente suficientes para o diagnóstico clínico de um processo infeccioso. A história epidemiológica tem importância fundamental e muitas vezes define a etiologia.

IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS PORTAS DE ENTRADA

FOCO PRIMÁRIO
ETIOLOGIA MAIS FREQUENTE
Ouvido e seios da face Pneumococo, Haemophilus, S. aureus, Moraxella catharralis
Foliculite, celulite, abscesso muscular S. aureus
Endocardite infecciosa Streptococcus viridans, enterococo
Endocardite em toxicômano S. Aureus, S. Epidermidis
Trato genital feminino Streptococcus sp. , anaeróbios (Bacterioides), enterobactérias
Presença de próteses e cateteres vasculares S. aureus, S. epidermidis
Gangrena gasosa Clostridium sp.
Grande gueimado S. aureus, Pseudomonas sp., E. coli
Vias biliares e trato gastrintestinal Enterobactérias, anaeróbios
Perfuração de alça intestinal Enterobactérias, Pseudomonas sp., anaeróbios
Trato urinário E. coli, enterobactérias
Necrose e úlceras em diabéticos Anaeróbios, S. aureus, Streptococcus sp., enterobactérias
Neutropênico febril S. aureus, S. epidermidis, enterobactérias, Pseudomonas sp.

COLETA DE MATERIAL BIOLÓGICO PARA CULTURA

Coletar os materiais biológicos (sangue, urina, fezes, secreções, escarro, líquido ascítico/pleural, líquor), de acordo com o diagnóstico clínico de cada caso, para tentar isolar os germes envolvidos no processo infeccioso e verificar sua sensibilidade, principalmente nos casos sem definição diagnóstica.

ESCOLHA EMPÍRICA DO ANTIMICROBIANO

Como no primeiro atendimento usualmente não se conhece, com certeza, a etiologia, a escolha do antimicrobiano deve procurar sempre responder sempre as seguintes questões:

AVALIAÇÃO CLÍNICA DA EVOLUÇÃO DO QUADRO INFECCIOSO

A boa escolha da terapia resulta na melhora do quadro clínico. A avaliação deve procurar observar a evolução da intensidade dos sinais e sintomas e o aparecimento de novos focos.

AJUSTE DA TERAPIA DE ACORDO COM A CULTURA E ANTIBIOGRAMA

Lembrar que o antibiograma é um exame in vitro. A análise deve sempre considerar a evolução do quadro clínico. Os casos de evolução desfavorável devem ter no antibiograma uma orientação para redirecionamento da terapia.

CARACTERÍSTICAS DO ANTIMICROBIANO IDEAL

POSOLOGIA

As doses devem ser adequadas de acordo com a gravidade do caso. Casos mais leves devem ser medicados com doses mais baixas e por via oral. Os casos mais graves devem ser tratados com doses mais elevadas e por via intravenosa. Em presença de hipotensão ou hipoperfusão tecidual, não fazer administração intramuscular. Do ponto de vista técnico pode-se afirmar que o tratamento das infecções deve ser feito com doses que atinjam níveis maiores de concentração inibitória mínima (MIC50). Nos casos graves as doses devem atingir níveis maiores que a concentração bactericida mínima (MIC90). De um modo geral, estes antimicrobianos devem ser mantidos por dois a três dias após terem cessado todos os sintomas.

SITUAÇÕES ESPECIAIS

São situações em que a prescrição dos antimicrobianos deve ser adaptada às condições do paciente, como na insuficiência renal, insuficiência hepática, interação com outras drogas, gestação, lactação, recém-nascidos ou idosos.

AJUSTE DO ANTIMICROBIANO NA INSUFICIÊNCIA RENAL

O ajuste pode ser feito de duas formas: diminuindo-se as doses do medicamento ou aumentando o intervalo entre as doses. Em ambos os casos o clearance de creatinina estimado é o parâmetro que deve ser utilizado para cálculo do ajuste.

CÁLCULO DO CLEARANCE DE CREATININA ESTIMADO

Clearence de Creatinina (ml/min) = (140-idade) x (Peso)/Creatinina sérica x 72

Obs.: Se mulher, multiplicar o resultado por 0,85

Utilizando-se a dose fracionada de aminoglicosídeo, empiricamente, pode ser calculado o intervalo entre as semanas. Este cálculo é feito multiplicando-se o valor da creatinina sérica por uma constante para se calcular o intervalo das doses:

Gentamicina = Creatinina sérica multiplicada por 8

Amicacina = Creatinina sérica multiplicada por 9

Clearence Creatinina
(ml/min)
GENTAMICINA
(Dose 24 horas)
AMICACINA
(Dose 24 horas)
>50
3-5 mg/kg
15 mg/kg
30 a 50
2,5 - 3 mg/kg
9 - 12 mg/kg
10 a 30
1 - 1,5 mg/kg
4 - 9 mg/kg
<10
0,5 - 1 mg/kg
2 - 4 mg/kg

FATORES DE RISCO DE NEFROTOXICIDADE DOS AMINOGLICOSÍDEOS

AUMENTAM O RISCO
DIMINUEM O RISCO

Relacionados ao paciente:

Idade avançada, nefropatia, depleção de volume, hipotensão arterial, disfunção hepática

Relacionados ao paciente:

Jovens, função renal e hepática normais, normovolêmicos

Relacionados à droga:

Uso recente de aminoglicosídeos, doses elevadas, tratamento prolongado, intervalos curtos

Relacionados à droga:

Sem uso recente de aminoglicosídeos, doses normais ou ajustadas, tratamento curto, dose única diária

Outras drogas concomitantes:

Vancomicina, Anfotericina B, Furosemida, Clindamicina

Outras drogas concomitantes:

Associação com Beta-lactâmicos

CRITÉRIOS PARA ASSOCIAÇÃO DE ANTIBIÓTICOS

Em situações especiais, torna-se necessária a associação de dois ou mais antimicrobianos a fim de se obter ação sinérgica entre os mesmos, ampliação do espectro de ação ou ainda melhor proteção de pacientes com imunodepressão. As drogas a serem associadas devem ter, preferencialmente, as seguintes características: ação bactericida, mecanismo de ação diferente, espectro específico e menor custo.

LEITURA SUGERIDA

1. TAVARES, W. Manual de antibióticos e quimioterápicos antiinfecciosos. 3a ed. São Paulo: Editora atheneu, 2001. 1. MONTE, R. L.; VICTORIA, M. B. Manual de rotina para coleta microbiológica. Manaus: Gráfica Máxima, 2002.

2. PATTERSON, J. E. Extended spectrum beta-lactamases: A therapeutic dilemma. Pediatr Infect Dis J, v. 21, n. 10, p.957-9, 2002.

3. BAUGHMAN, R. P. Antibiotic resistance in the intensive care unit. Curr Opin Crit Care, v. 8, n. 5, p.430-4, 2002.

4. PARADISI, F.; CORTI, G.; SBARAGLI, S., et al. Effect of antibiotic pretreatment on resistance. Semin Respir Infect, v. 17, n. 3, p.240-5, 2002.

5. LARSON, L. L.; RAMPHAL, R. Extended-spectrum beta-lactamases. Semin Respir Infect, v. 17, n. 3, p.189-94, 2002.

6. ACAR, J. F. Resistance mechanisms. Semin Respir Infect, v. 17, n. 3, p.184-8, 2002.

7. GOULD, I. M. Antibiotic policies and control of resistance. Curr Opin Infect Dis, v. 15, n. 4, p.395-400, 2002.

8. ANDES, D. Pharmacokinetic and pharmacodynamic properties of antimicrobials in the therapy of respiratory tract infections. Curr Opin Infect Dis, v. 14, n. 2, p.165-72, 2001.

ANTIMICROBIANOS DE USO CLÍNICO

DROGAS
APRESENTAÇÃO
POSOLOGIA
INTERVALO
PARA-EFEITOS
Amicacina Amp. 2ml (50mg/ml) AD: 1g/dia 1x/dia ou 8/8h Insuficiência renal (ajuste)
Ototoxicidade
Amp. 2ml (250mg) 15 mg/kd/dia
Ampicilina Fr.amp 500mg e 1000mg AD: 1-2g/dose 6/6h ou 4/4h Hipersensibilidade
Caps. 500mg e 1000mg VO: 50-100 mg/kg/dia
Susp. 60ml (50mg/ml) IV: 100-300 mg/kg/dia
Ampicilina + Sulbactam Fr. 1,5g e 3g AD: 1,5-3g/dose VO: 12/12h Hipersensibilidade
Comps. 375mg (Sulfamicilina) 100-300mg/kg/dia IM ou IV: 6/6h
Amoxicilina Cáps. 250mg e 500mg AD: 500mg-1g/dose 12/12h ou 8/8h Hipersensibilidade
Susp. 60ml (25mg/ml) 30-50mg/kg/dia
Azitromicina Comps. 250mg, 500mg e 1g AD: 250-500mg/dia Dose única diária Intolerância digestiva
Fr. 500mg VO: 5-20 mg/kg/dia
IV: 10mg/kg/dia
Anfotericina B Fr.-amp. 50mg 0,25-1mg/kg/dia (máximo 500mg/dia) Dose única diária Flebite, febre, hipopotassemia, nefro e cardiotoxicidade
Cefalexina Cáps. 250mg e 500mg AD: 500mg-1g/dose 6/6h Hipersensibilidade
Susp. 60ml (25mg/ml) 30-40 mg/kg/dia
Cefalotina Fr.-amp. 1g AD: 1-2g/dose 6/6h ou 4/4h Hipersensibilidade
50-200 mg/kg/dia
Cefepime Fr.-amp. 1 e 2g AD: 1-2g/dose 12/12h ou 8/8h Hipersansibilidade
150mg/kg/dia
Ceftazidima Fr.-amp. 1g AD: 1-2g/dose 8/8h ou 6/6h Hipersensibilidade
50-200 mg/kg/dia
Ceftriaxona Fr.-amp. 500mg e 1g AD: 1-2g/dose 1x/dia ou 12/12h Hipersensibilidade
50-100 mg/kg/dia
Cetoconazol Comps. 200mg AD: 200-400mg/dose Dose única diária Intolerância digestiva
5-10 mg/kg/dia
Ciprofloxacina Fr.-amp. 100ml (2mg/ml) VO: 250-750mg 12/12h Neurotoxicidade
Comps. 250mg e 500mg IV: 200-400mg
Claritromicina Comps. 500mg AD: 500mg/dose 12/12h Intolerância digestiva
Amp. 500mg VO: 15-30mg/kg/dia
IV: 15mg/kg/dia
Clindamicina Fr.-amp. 2ml (150mg/ml) AD: 300-600mg/dose 8/8h ou 6/6h Diarréia
Cáps. 150mg e 300mg VO: 15-30mg/kg/dia
IV: 20-40mg/kg/dia
Cloranfenicol Fr.-amp. 1g AD: 250mg-1g/dose 6/6h Anemia aplástica
Comps. 250mg VO ou IV: 50-100mg/kg/dia
Susp. 60ml (25mg/ml)
Eritromicina Comps. 250mg AD: 250mg-1g/dose 6/6h Intolerância digestiva
Susp. 60ml (25mg/ml) VO: 30-40mg/kg/dia
Gatifloxacina Comps. 400mg VO ou IV: 400mg/dia Dose única diária Neurotoxicidade
Fr. 400mg
Gentamicina Amp. 1ml (20mg/ml) AD: 240mg/dia 1x/dia ou 8/8h Insuficiência renal
Amp. 2ml (40mg/ml) 3-5 mg/kg/dia Ototoxicidade
Imipenem + Cilastatina Fr.-amp. 500mg AD: 500mg-1g/dose 6/6h Hipersensibilidade
30-60mg/kg/dia Neurotoxicidade
Metronidazol Fr. 100ml (5mg/ml) AD: 250-750mg/dose 8/8h ou 6/6h Neuropatia
Comps. 250mg e 400mg VO: 10-40mg/kg/dia Intolerância digestiva
Susp. 100ml (40mg/ml) IV: 20-40mg/kg/dia
Nistatina Susp. 40ml (100.000UI) 100.000-500.000 UI 6/6h ou 4/4h
Oxacilina Fr.-amp. 500mg AD: 1-2g/dose 6/6h ou 4/4h Hipersensibilidade
50-200mg/kg/dia
Penicilina G benzatina Fr.-amp. 600.000 UI 300.000-1.200.000UI Dose única Hipersensibilidade
Fr.-amp 1.200.000UI
Penicilina G cristalina Fr.-amp. 1 milhão UI AD: 1-4 milhões UI/dose 4/4h Hipersensibilidade
Fr.-amp. 5 milhões UI 50.000-500.000 UI/kg/dia
Penicilina G procaína + cristalina Fr.-amp. 300.000+100.000UI 300.000-600.000 UI 1x/dia ou 12/12h Hipersensibilidade
Sulfadiazina Comps. 500mg AD: 500mg-1,5g/dose 6/6h Hipersensibilidade
75-100mg/kg/dia Hepatotoxicidade
Sulfametoxazol+Trimetoprima Amp. 5ml (40mg+8mg/ml) AD: 400mg-1,6g/dose (SMX) VO: 12/12h Hpersensibilidade
Susp. 50ml (40mg + 8mg/ml) VO: 20-100 mg/kg/dia (SMX) IV: 6/6h ou 4/4h Hepatotoxicidade
Comps. 400mg + 80mg IV: 50-100mg/kg/dia
Tetraciclina Cáps. 250mg e 500mg AD: 250-500mg/dose 6/6h Intolerância digestiva
VO: 20-40mg/kg/dia
Vancomicina Fr.-amp. 500mg AD: 500mg-1g/dose 12/12h ou 6/6h Insuficiência renal
30-40 mg/kg/dia Ototoxicidade, flebite

Legenda: Amp. = ampola; Fr. = frasco; Fr.-amp. = frasco ampola; Cáps = cápsulas; Comps.=comprimidos; Susp.=suspensão; VO=via oral; IV=intravenoso; IM=intramuscular; AD=adultos; SMX=sulfametoxazol